sábado, 11 de junho de 2011

SOBRE A MORTE E O MORRER SAUDÁVEL

Tanatos (morte) e Hipnos (sono) - Irmãos gêmeos
 
Como médico, nos últimos 25 anos tenho diariamente me relacionado com experiências de vida e também de morte. Aprendo todos os dias que existe uma saúde no viver e outra, pouco falada, a saúde do morrer.
Morrer é conseqüência natural da vida, não havendo na literatura médica artigos citando casos de pessoas que nunca morreram. Penso que todos gostaríamos de uma morte saudável, ou não? Na verdade, a questão primordial que aflige a muitos não diz respeito ao morrer e sim ao sofrer. Entretanto, mesmo um olhar superficial vai perceber que a morte reflete, de maneira geral, a forma como se escolheu viver. Este fato provavelmente não vai ser encontrado nos compêndios médicos, mas a simples observação, desde que se disponha a tal, pode ajudar a perceber...
Em outras palavras, tenho visto em cada coincidência, como a morte se apresenta como o desfecho ou efeito de complementação dos acordos feitos durante os processos que se apresentaram durante a vida. À semelhança de um elástico esticado ao máximo que se solta, a morte traz com todo o habitual desconforto ou alívio, a vida a um novo estado de equilíbrio. Não necessariamente um equilíbrio estático, pelo contrário geralmente um equilíbrio dinâmico que convida todos os envolvidos na experiência a uma revisão na sua própria forma de viver.
Não está nos livros a explicação para a morte e o morrer, à semelhança de TUDO na natureza que se conhece e se estuda os efeitos, mas nunca a causa primeira. A morte é apenas mais um desses fenômenos, como a vida, o magnetismo, a gravidade, a geometria e o amor. No entanto, se olharmos atentamente para dentro e não mais para fora de nós mesmos, talvez possamos ter um pequenino vislumbre do que estou sugerindo nessas “coincidências” do destino.
Preciso agradecer à amiga e irmã Ana Cláudia Quintana Arantes, Cláudia Quintana nos círculos íntimos, especialista em cuidados paliativos e professora do viver e do morrer são, pelas suas poesias (http://prescreverpoesia.blogspot.com). Se por um lado ajudam a viver, por outro desprende e prepara o após viver, semente da morte saudável. Após viver sim, pois com ela aprendi que a morte existe apenas para quem fica, pois para os que se vão existe apenas a vida...
Não, falar de morte não é mórbido, é saudável! Veja você que a morte em si é uma grande conselheira, como Bergman mostra no clássico “O sétimo selo”. Faça a experiência por si mesmo: se soubesse que tem mais uma semana de vida apenas você continuaria a fazer tudo do mesmo modo que tem feito? Deixaria de fazer algo? Procuraria alguém para esclarecer alguma situação mal resolvida?
Pois é, no entanto não sabemos sequer sobre nosso dia seguinte...
Maravilhosa a forma como Tolstói, recentemente homenageado com um filme sobre sua história, aborda a efemeridade do viver. Recomendo muito quando dispuser de um tempo que leia na pequena e rica obra “Onde existe amor, Deus ai está”, os contos “Trabalho, morte e enfermidade” e “De quanta terra precisa o homem”, onde o “Médico da Alma” Tolstói nos ajuda a ver onde raros olhos alcançam.
Interessante como a proximidade e a possibilidade de olhar para a morte estimulam o que há de melhor em nós (geralmente). É preciso atenção, pois é interesse dos que lucram e trabalham para a doença que a luz da verdade não seja vista, em favor da visibilidade da luz do con$umo, do entretenimento e da vantagem a qualquer cu$to.
As aparências podem enganar, mas cada vez mais percebo ser comum que mortes mais difíceis, por doenças crônicas consumptivas e internações prolongadas em UTIs ocorrem em situações familiares de grande apego. São comuns histórias em que sentimentos pouco nobres entre familiares e cuidadores acabam em processos judiciais. Parece haver um perfil familiar, geralmente em que a culpa é muito presente, no qual estas práticas são mais comuns. A dificuldade na família em lidar com alguns assuntos leva às vezes a um sentimento de inconformidade e necessidade de achar alguém para responsabilizar pelo que ela não foi capaz de fazer em vida. Alguns acreditam piamente que pagar um seguro é sinônimo de estarem seguros! Infelizmente a segurança não pode ser comprada a prestações e o apego a esta idéia é um dos grandes geradores de sofrimento para famílias que nunca pensaram a este respeito. Aprendi isso na prática assistindo patrimônios serem depauperados na esperança do insólito, na impossibilidade de uma percepção saudável da vida como aquela de Javier Bardem no filme “Mar Adentro”. Perdoar e pedir perdão são os principais antídotos para a passagem saudável, sendo qualidades presentes nos seres passarinhos que Mário Quintana explicou:
Poeminho do Contra
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
(Prosa e Verso, 1978)


 Enquanto isso, já que o grande Mário habita outros ares, leio as poesias da Cláudia Quintana que me ajudam a soltar os excessos que carrego, quero aprender a andar na direção da simplicidade.

3 comentários:

  1. Caro Ricardo me sinto "provocado" em continuar caminhando ao ler seu artigo rumo algo ainda pouco ou nada compreendido...o viver!
    Já que o pós morte é um mistério.... penso nas mortes em vida, o que deixamos de fazer por queremos somente o sucesso, o apego demasiado e a correria atrás do quê? Nem sempre sabemos traduzir,então, aqui quantas mortes já tivemos?
    Levar uma vida em busca da simplicidade é o que realmente me motiva.
    Obrigado.
    Matias Caetano.

    ResponderExcluir
  2. (ex)-Cunhado, que maravilha de texto, de blog, de pensamentos, na verdade. Fiquei muito impressionada com seu espaço e voltarei sempre. Parabéns.
    (e concordo com sua visão da morte, perfeita). Bjs Renata Ruffato

    ResponderExcluir
  3. Legal seu texto! Mesmo!!
    Sou cristão e tenho perspectivas (bíblicas) de retornar a viver.
    Claro que não se prova que Jesus está vivo,
    Mas raciocine comigo: se ele está, existe Deus!
    De fato, em ev. João 14: 21 há uma promessa de manifestação dEle em nossa vidas. Ali há uma condição para esse fenômeno.
    Não sei quais são suas crenças, mas encare como um experimento (quase) científico.
    Algumas pessoas dizem que não têm fé. Deveras, fé, biblicamente é um dom de Deus. A condição para recebê-las é a mesma que acima.
    Espero receber um tantinho da sua atenção, porque, como apóst. Paulo disse: "Se Cristo não ressuscitou, comamos e bebamos, porque amanhã morreremos."
    Ele ressuscitou?
    Sou suspeito para responder.
    Grande Abraço
    Reginaldo Dias

    ResponderExcluir