quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

PREVENINDO O PACIENTE DO "MÉDICO" - PARTE IV


POR MÁRIO INGLESI 
Sobre os textos:

 
Dr. Ricardo

A figura do médico desde sempre se apresentou como mítica, toda poderosa, dona do poder de minorar e tirar as dores, que perpassam de maneiras várias e, atingem os seres humanos deste planeta Terra.
Essa imagem só cresceu com o correr dos tempos, principalmente com o advento dos transplantes, da clonagem e, muito particularmente, em razão das cirurgias plásticas não apenas de correção, mas em favor da estética, primordialmente. A partir daí, ela alcançou o estrelato midiático.
Afora isso, tal figura também sofreu revezes, chegando até recentemente a cair como escolha profissional, talvez em função, do advento de novas áreas profissionais menos trabalhosas e menos ainda, desgastantes física e psicologicamente.
A relação entre médico e paciente sempre se traduz num emaranhado de queixas, aflições e agonias, de confiança total e, até desconfianças, ainda que tênues, que se configuram como enigmas a serem decifrados em prol de um diagnóstico falível de erros e acertos. Por sua vez, o diagnóstico vem a requerer o aviamento de receitas, cuja maior dificuldade é saber, realmente se o paciente terá consciência necessária para administrá-la como lhe manda a prescrição, o bom senso, e lhe pede a própria cura almejada.
Tal enigma que perpassa a relação, induz preliminarmente ao médico o diagnóstico infalível: “Médico, cura-te a ti mesmo”.
Isto nos faz reportar ao poema de Manuel Bandeira:

Pneumotórax

Febre, Hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi
Tosse, tosse tosse.

Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três… trinta e três… trinta e três...
- Respire.
...........................................................................
- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

O curioso, neste poema, publicado, juntamente com outros, sob o titulo de Libertinagem, em 1930, é que, apesar do disparatado diagnóstico médico nele contido, o poeta Manuel Bandeira, tuberculoso desde 1904, viveu até 1968, vindo a falecer somente aos 82 anos.
Dentro desse arcabouço, se o paciente deve prevenir-se contra o médico a recíproca também é verdadeira, afinal, tudo começa com uma simples e, muitas vezes, esdrúxula narrativa do paciente, a respeito de sintomas genéricos, mal concatenados e nem sempre bem localizados.
Em socorro ao diagnosticado, felizmente advieram os exames laboratoriais, trazendo provas concludentes não só da doença como de sua precisa localização e estado.
É óbvio, como diz o poeta Mário Quintana: “Cuide-se, pois a sua saúde e sua vida dependem de suas escolhas!!!”
Hoje, o que há, em escala cada vez mais crescente, são os excessos de intervenção diagnóstica e terapêutica e medicalização desnecessária. É, contra isso, que se predispõe a prevenção focalizada, ora chamada de quaternária.
Esses excessos distorcivos têm sua abrangência tão funda que vem atingindo médicos, pacientes e recursos financeiros com uma intensidade inimaginável. Os pacientes encontram-se em pânico e, para previamente saberem se terão as tais doenças terminais, ou serão passíveis de tê-las, para preveni-las ou evitá–las se submetem a baterias de exames desnecessários, a procedimentos cirúrgicos que, na maioria das vezes, lhes acarretam problemas ainda maiores e quase sempre dolorosos, quando não desproporcionais. A tais excessos alia-se a intervenção dos médicos por pressão e medo, que pacientes lhes impingem no contato de sua vida profissional.
O que mais chama a atenção a esses excessos, é o fato primário da efemeridade da vida, como, aliás, observou Millôr Fernandes, em uma de suas boas tiradas: “Em carros, barcos, trens, ou aviões, somos todos passageiros”
Desse modo, porque tanto alarde, tanta preocupação com precauções esdrúxulas, supérfluas e inadequadas? O melhor mesmo é voltar suas armas para o que realmente proporciona ou causa doenças sem fim, piores ou iguais das quais pretende safar-se, como a poluição, o fumo, a bebida, a má alimentação, o estresse advindo do trabalho, do trânsito e da própria vida mal vivida em torno do alcance de status, fama, veleidades mil, que nada acrescentam ao seu mundo do ser.
No entanto, contra tais vilões da saúde muito pouco se faz. Parece haver uma anestesia geral, envolvendo e interferindo na visão das pessoas no que diz respeito à realidade, sem lentes ou filtros, mas com a força de um pensar profundo e eficaz, sem as amarras de preconceitos e ilusões fictícias.
Esse pensar deve abranger os profissionais da saúde, para que sejam evitados procedimentos de rastreamento inócuos ou desnecessários, bem como exames complementares em excesso a fim de que seus pacientes não lidem com expectativas vãs de estar cuidando da saúde e evitando quaisquer males subjacentes.
Torna-se imperativo, ainda, a consciência fundamental de cada ser humano em si mesmo, sem generalizações abstratas. O apego dos pacientes a medos, culpas ou hábitos arraigados não devem ser subestimados em se tratando da saúde.
Felizmente, a “prevenção quaternária” chega em boa hora para aprimorar a medicina em voga e ajudá-la com critérios e propostas para o manejo dos excessos e obviamente para salvaguarda do paciente e sua saúde.
E torcer para que não se faça uma “Revolta Contra os Médicos” por oposição à “prevenção quaternária”. Haja vista que se “a unanimidade é burra” “a parcialidade é desonesta”, como se viu na “Revolta da Vacina” insuflada no início do século 20, por interesses escusos e boataria descabida.
Com tudo isso, só nos resta com as mãos espalmadas, agradecer aos céus por termos uma ciência médica ainda em plena evolução, com o objetivo primário de por a salvo a nossa saúde, através da conquista de um melhor intercâmbio interativo entre médico e paciente, em sua totalidade humanitária.
Abraço desmesurado
Mário Inglesi 31.10.2011.

9 comentários:

  1. Os pacientes com seus problemas numa face da moeda, e os médicos com seus estudados diagnósticos na outra,É onde está localizado o problema.O ideal seria que médicos e pacientes estivessem do mesmo lado da moeda.Não resta a menor dúvida que a falta de consciência sobre o bem viver, e a oposicao teimosa a qualquer tipo de mudança nas atitudes de vida, são as causas primárias dos problemas de saúde,para as duas partes.Parabéns pelos esclarecimentos ,caro Dr.Mário.Uma solução eficiente e eficaz para minorar esses tipos de problemas seria aquela em que os médicos agissem em sua missão tratando sempre seus pacientes como amigos e com muito AMOR,e da mesma forma os pacientes em relação aos médicos.Boa sorte para nós todos.

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  2. Talvez esse conselho do médico do Manuel Bandeira fosse bem interessante nos dias de hoje! Quem sabe, com isso, se conseguisse chegar aos 82 sem tantas neuras sobre o viver saudável. Os ritmos ficariam à escolha de cada um...
    Grande abraço a todos do Blog do Ricardo.

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  3. As vezes me parece que o papel do médico em nossa vida, seja parecido, com o papel que ele representa em uma siutação de parto natural. Na verdade a Natureza e o magnífico laboratório que é o corpo humano faz tudo sozinho. Um novo ser humano vem ao mundo apenas com a ajuda e orientação do médico. algumas vezes é necessário mais se houver complicações. Se fizermos nossa parte, como seres humanos e buscarmos os bons motivos para estar vivo, o médico teria um papel de orientação e ajuda. Ninguem seria sobregarregado desnecessariamente! Parabéns ao Dr. Ricardo pela postagem e ao Dr. Inglesi pela bela colocação.

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  4. Conta a lenda que os pacientes estão cada vez mais dependentes de exames que sequer sabem ler.
    Era uma vez em um mundo distante, longe da civilização um serviço de pronto socorro em que o paciente chegou com dor lombar(era lombar mesmo), o mesmo já fazia uso de medicação antibiótica e sintomática para um quadro de sinusite e referia certeza de ter pneumonia. Após exame físico e do murmúrio vesicular difusamente distribuído mais audivel impossivel o médico que atendeu o paciente descartou pneumonia e prescreveu a medicação que era devida para a lombalgia (presença de hiperlordose significativa). O paciente foi orientado e se despediram.
    No mesmo corredor uma profissional de saúde não médica que trabalhava no serviço conhecia o paciente e antes dele sair falou: quem te atendeu não pediu radiografia?
    Sem radiografia não dá pra saber, vamos no outro Dr.
    A radiografia foi feita e pasmem foi compatível com o exame físico previamente bem realizado.
    Antes de sair o paciente com sua radiografia em mãos coincidentemente encontrou o primeiro médico que o havia atendido.
    Sem graça, por ter escutado quem não devia contou o ocorrido ao primeiro médico e lhe deu os parabéns pelo diagnóstico confirmado pelos exames.
    Ao que o mesmo agradeceu e acrescentou: pena que o senhor foi submetido inutilmente a radiação.
    A situação está cada vez mais complicada, porque mesmo com boa relação existem uns seres que ficam palpitando na vida alheia, no diagnostico e conduta alheia.
    E existem aqueles que preferem exames complementares em detrimento do bom exame físico, e assim os pacientes valorizam cada vez menos que faz a conduta correta.
    Ainda bem que a história se passou em uma terra distante. rs
    E o nosso reino certamente não é daquele mundo, rs...

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  5. Nosso reino é daquele mundo.!..rrsrrsrrs...Tenho um primo que teve pneumonia aguda..e em seguida tuberculose.Após internado por 3(três)meses, teve alta e novo diagnóstico:você terá no máximo 6(seis)meses de vida!Após 2(dois)anos ele foi a uma consulta com aquele médico e o mandou à PQP, e viveu por mais 25(vinte e cinco anos).Que errinho não?Quase igual ao do Manuel Bandeira.Ô Lôko sô!Um grande abraço a todos.

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  6. A Medicina é uma ciência eminentemente humana, entretanto hoje se não há evidências, não se faz mais diagnóstico. A ausculta e principalmente a escuta do paciente são esquecidas, talvez nem mais ensinadas. Os médicos são semideuses que tem por objetivo prolongar a qualquer custo a vida. As pessoas querem resultados imediatos e nem se quer se dão o direito de ficar doentes, de parar e ficar consigo mesmo, e se apropriar da sua doença. A questão a ser revista é o conceito de saúde.

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  7. Pior quando o chefe fala: "pede o exame complementar pq assim vc se protege de processo".
    Como se o exame físico escrito no prontuário não existisse.
    Mas isso é só no mundo lendário, rs...
    Sinto muito pelo seu primo que vive nesse mundo lendário, nessa realidade paralela a qual visito quando vou trabalhar.
    Continuo a achar que nosso reino não é deste mundo, uma realidade paralela que me sugou não sei como, rs...
    Mas ainda assim tenho que admitir uma certa paixão por esse mundo do pronto-socorro.

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  8. obs- deve ter alguma coisa errada no meu mapa astral que fez eu ir parar no fantástico mundo do PS.
    O Ricardo bem que podia ir fazendo umas postagens nos ensinando sobre mapas. Pq o livro tá dando preguicinha e preguicinha é pecado capital teologicamente reconhecido, rs...

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  9. Isso tudo me faz lembrar uma passagem de As Aventuras de Pinóquio de Carlo Collodi em que o boneco está praticamente morto após ser vítima de um quase enforcamento praticado pelos falsos amigos raposa e gato. Sendo chamados os três médicos mais famosos das redondezas...

    "... e os médicos chegaram, um após outro; ou seja, chegaram um Corvo, uma Coruja e um Grilo Falante.
    - Gostaria de saber de vossas senhorias - disse a Fada, voltando-se para os três médicos reunidos em redor do leito de Pinóquio -, gostaria de saber de vossas senhorias se este infeliz boneco está morto ou vivo!...
    A esse convite, o Corvo, adiantando-se primeiro, tomou o pulso de Pinóquio, depois examinou o nariz, depois o dedo mindinho dos pés; e, depois de bem examinar, pronunciou solenemente as seguintes palavras:
    - No meu entender, o boneco está de todo morto: mas, se por desgraça não estiver de todo morto, então será indício seguro de que continua vivo!
    - Lamento - disse a Coruja - ter de contradizer o Corvo, meu ilustre amigo e colega: para mim, ao contrário, o boneco continua vivo; mas, se por desgraça não estiver vivo, então será indício seguro de que está mesmo morto!
    - E o senhor não diz nada? - perguntou a Fada ao Grilo Falante.
    - Digo que o médico prudente, quando não sabe o que dizer, a melhor coisa que pode fazer é ficar calado."...

    Abração

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