quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

MISTÉRIOS DE CLARICE

Por Mário Inglesi


      A pessoa e a literatura de Clarice Lispector (1925-1977) levam sempre a estigmatizá-las sob o rótulo de difíceis de trato a primeira e de leitura não menos subjetiva e inexplorada a segunda.
 
      Esse posicionamento nos parece insuficiente para uma análise mais profunda e abrangente de ambas, configurando sempre em mistérios a serem desvendados com vagar e não menor esforço.
 
      Daí a imagem, - talvez não alusão a Clarice Lispector, mas perfeitamente cabível a ela, dos versos de Caetano Veloso e Capinan: 

Que mistérios tem Clarice?
Que mistérios tem Clarice?
Pra guardar-se assim tão firme
No coração 

      Avessa a entrevistas e à difusão de fatos ou ocorrências de sua vida pessoal, Clarice se escondia quase impenetrável, sempre alegando cansaço, sob uma máscara própria, que segundo ela mesma diz “é o primeiro gesto voluntário humano. E solitário”.

      Essa atitude, talvez seja decorrência do próprio duelo que ela travava com o mundo do Ter, que a amesquinhava e a compungia literalmente, em detrimento do seu “Ser” – próprio da simplicidade que sempre buscou e lutou em toda a sua vida existencial. 

      Mulher de diplomata, tendo de acompanhá-lo em viagens ocasionais a inúmeros países e tendo de enfrentar o “sucesso social” com agendas de compromissos com pessoas de máscaras fictícias, de inteligência pouca, educação frívola e medíocre, de beleza mentirosa, sempre postadas sob muitos subterfúgios, e de pensamentos ilusórios e propostas mesquinhas de salvar a humanidade, mas com um pensamento único: “Eu”.
 
      Essa situação, só lhe oferece uma única saída – sempre perquirida -, escrever para se renovar e continuar a viver: “Eu nunca pretendi assumir atitude de superintelectual Eu nunca pretendi assumir atitude nenhuma. Levo uma vida corriqueira. Crio meus filhos. Cuido da Casa. Gosto de ver meus amigos. O resto é mito”. “A palavra foi aos poucos me desmistificando e me obrigando a não mentir.”
 
      Essa simplicidade, sob o manto enigmático de uma pessoa difícil e complicada, é revelada em sua literatura, sem mistérios, apenas eivada de muita profundidade. “Sou complicada? Não, eu sou simples como Bach”. E é também configurada pelo seu “gosto pelos bichos, desde a infância quando era rodeada de gatos, que faziam a sua alegria e o inferno para os adultos”.
 
      Assim, apesar de todo o ciclo de fatalidades que a assoberbou, a sua vida, como a separação do marido, nascer mulher, não se entregar a devaneios de luxo e riqueza, Clarice, de todo modo, representa bem a luta insana que ainda se trava em favor do mundo do “Ser” para fugir ao mundo inclemente da superficialidade de mostrar-se apenas como “diferencial” de um inócuo falso brilhante, que se esgota em si mesmo.


Clarice
Veio de um mistério,
Partiu para outro.
Ficamos sem saber a essência do mistério.
Ou o mistério não era essencial,
Era Clarice viajando nele.
Carlos Drumond de Andrade

      O perfil de Clarice Lispector aqui pouco bem exposto – dado principalmente à grandiosidade da autora - tem por único objetivo trazer algumas reflexões sobre o mundo do Ser e suas dificuldades de conquista e implantação.
 
      PS.: as declarações de Clarice Lispector, bem como o poema de Drummond foram extraídos de “Clarice Uma Vida que se Conta” de Nádia Batella Gotlitb, da Editora Ática, 1995
 
Abraço maior, de vez em sempre compartilhado
 
Mário Inglesi 07.11.2011

2 comentários:

  1. Clarice Lispector, uma mulher iluminada, que tentou de toda maneira não ser contaminada pelo ter, e de certa forma conseguiu. O bem é silencioso, não almeja nada de ninguém, apenas é. Não depende de coisas externas para viver, mas sabe dar o valor as suas necessidades. Num mundo tão superficial, o que é verdadeiro é invejado. O homem querendo viver, acaba morrendo por querer possuir.

    Abraços

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  2. Clarice Lispector é uma mulher que mostrou o seu verdadeiro valor em escritos maravilhosos e são belos os seus ensinamentos.
    Amo Clarice LIspector.
    Parabéns ao meu anjo da guarda pelo bom gosto.
    Beijos!

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