segunda-feira, 1 de abril de 2013

BURACOS E FUROS I – NEUROPLASTICIDADE E SABEDORIA IV


Continuação de: Neuroplasticidade e Sabedoria



       Os buracos, desde as cavernas, são fundamentos dos primórdios do comportamento humano. Fascinação para alguns é o espaço “vazio”, ou buraco mesmo, que constituem as bolsas, carteiras e sapatos tão apreciados e consumidos! Mas porque tantas bolsas, sapatos e carteiras? A questão não diz respeito aos objetos em si, mas ao buraco que eles portam...

            Cada vez mais distantes de uma concepção prática para o vazio, o conceito antigo de vácuo se transformou hoje na ideia de um espaço ricamente povoado de partículas e subpartículas em estados baixíssimos de energia. O éter, delírio místico no preconceito de outros tempos, retorna com status científico e todo requinte e reconhecimento pela mesma academia que o renegou, mas que hoje o renomeia: vácuo quântico. Bonito nome para o imponderável que um dia foi vazio.

            Mas, se o mundo físico se resolve assim, resta ainda tensão sustentada no reino metafísico, onde o formalismo da razão não acessa, mas onde o empirismo pessoal permite algum vislumbre. Em outras palavras, o velho dilema entre os que acreditam e os que não acreditam, ou ainda, entre os que veem o final como um buraco e os que enxergam o buraco como passagem. "Quanticamente" falando, os dois parecem certos, para um é assim e para outro assado; outrossim, o livre arbítrio estaria em xeque pelo determinismo do destino! Igual para todos? Acho que não, a menos que aprendamos a ver o igual que reside nas diferenças... Diferenças naturais, que não poderiam deixar de existir, entre aqueles para quem o real se resume à vivência da natureza material, aqueles outros para quem um universo de sentimentos e desejos permeiam a natureza material, os que admitem um universo de pensamentos envolvendo e permeando os primeiros e assim por diante. O radicalismo e sua polaridade já se provaram incapazes de conduzir a soluções saudáveis. Fica assim então: desmanche (buraco cego) versus continuação (buraco passagem), duas soluções que não se excluem; se fortalecem enquanto exercício de respeito mútuo.






            Curiosíssimo, na língua inglesa, a palavra buraco se aproximar tanto do todo (Hole x Whole), como se a própria noção de totalidade, e quem sabe mesmo de vida, pudesse estar contida em um buraco. Mas, pensando bem, o que é o corpo senão algo que se assemelha ao que o copo é para a água ou mesmo o que o mar é para os peixes? Recipientes de uma realidade que permitem à outra sua manifestação.

As pessoas parecem gostar de colocar coisas nos buracos e muitos se reconhecem vivos quando conseguem encher um buraco com algo; ora, por coisas na bolsa, os pezinhos no sapatinho e o dinheirinho na carteira... O próprio útero, espaço potencial que o humano preenche antes de Ser aqui na Terra, obriga a reconhecer que realmente, crescemos dentro de um “buraco”. Estaria aí parte da fascinação do humano com os buracos? Longe de terminar, o que é um carro senão algo com um espaço (buraco) para se entrar? O que é um copo, senão um recipiente que ganha sentido em seu vazio, que quando preenchido, pode saciar a sede ou sedar os sentidos, na dependência do líquido utilizado?

Não bastasse isso, certos buracos permitem ativar sentidos e adentrar o universo alheio, seja na fala que sai da boca e penetra ouvidos ou no alimento que conecta distantes e peculiares buracos... O homem, antigo morador no buraco das cavernas, hoje encontra abrigo na medida em que é compreendido ou quando entra em algum buraco (fisicamente ou por projeção psíquica) que o faça sentir vivo.

Mas, essa mesma necessidade de buraco, que muitos correm atrás, termina para alguns, por incrível que pareça, na situação de “vazio” existencial! Afinal, quem se nutre enchendo buracos, seus ou dos outros, de certa forma se reconhece pelo continente material que gera o vazio e não pela ideia do vazio em si mesma. Reconhecemos o estado de buraco pelo potencial inerente que temos em preenchê-lo e apenas excepcionalmente buscamos o estado de esvaziamento, de modo a criar espaço interno de receptividade para algo.

De maneira geral, o modus operandi do cidadão mediano de hoje está muito mais para se encher do que para esvaziar-se. Entretanto, é justamente quando se esvazia, inicialmente dos excessos de recursos físicos, posteriormente dos excessos que marcam a expressão da personalidade e seus vícios e finalmente de todas as expectativas, é que algo acontece e o novo pode surgir. Só no vazio da receptividade, que qualifica o estado de inspiração, pode alguém escutar-se de dentro para fora ou a partir do silêncio interior. Este “vazio” não é algo que carece de preenchimento, mas de simplesmente existir assim, para que nele o novo e o diferente possam passar, serem recebidos e vivenciados, condição sine qua non para a experiência de um nível mais elevado de consciência, desta vez não compreendendo, mas sendo compreendido.

10 comentários:

  1. Quanto maior o vazio, maior a chance de preenchimento. Porém, quanto maior o preenchimento, menor a chance de ser preenchido pelo vazio que verdadeiramente preenche.
    O silêncio tem um barulho ensurdecedor.
    Já dizia o grande Mestre Jesus: "Quem tem ouvidos para ouvir, ouça".

    Maria Inez

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    1. MARA!

      O silêncio tem uma música MARAvilhosa! Se o silêncio para alguém for ensurdecedor, é sinal de atenção! É no silêncio que lembramos de quem somos realmente e podemos direcionar a vida na direção da coerência pessoal, fundamento da saúde plena. Não é disso que se trata a experiência do deserto?

      No ensaio sobre a cegueira, aquele menino, o Saramago, mostrou como é o silêncio dos olhos. Leu? É um livro para olhares silenciosos...

      Bem, parto do pressuposto que leste... Assim, parto para a provocação: Porque o olhar deles era silencioso, nada havia a ser visto? É o olhar do cego que determina o que há e o que não há?

      Para alguns, o invisível pode ser uma forma de vazio, mas não estaria este vazio muito mais relacionado à pessoa do que a um fato real em si mesmo? Podemos dizer que um espaço onde não vemos nada é vazio, ou talvez seja nossa visão não esteja plena de luz?

      O próprio conceito budista de vacuidade, entendo estar muito distante de vazio! Afinal, como sabemos da ciência básica, o vácuo é um espaço ricamente povoado de partículas e subpartículas constituintes da realidade. O vazio é inconcebível, senão a partir do poder de nosso livre arbítrio, enquanto escolha pessoal... (Por favor, note a semelhança aqui entre escolha e escola, pois tem informação sutil e relevante aqui). Mas ai o negócio complica! Algo parecido com um beco "sem saída". Vacuidade é qualidade de criar espaço interior, aliás espaço que passa longe da idéia de vazio. Essa coisa de vazio é um pouco como vício de pensamento, penso eu. Quando conscientizarmos que o processo diz respeito a uma interpenetração interminável de realidades, ai sim, quem sabe!?!

      Para acabar, o texto mais bacana que li até hoje sobre o vazio, enquanto possibilidade conceitual, foi escrito pelo grande Michael Ende e se chama a prisão da liberdade. Deixo aqui o link dele para quando você tiver um tempinho: http://www.geh.com.br/artigos/prisao.html

      Um beijo de irmão

      Ri

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  2. Entendo q vc apenas trouxe em outras palavras o que eu disse...
    "Assim, parto para a provocação: Porque o olhar deles era silencioso, nada havia a ser visto? É o olhar do cego que determina o que há e o que não há?"
    E eu digo: Pq o surdo mora no silêncio, não pode ele ouvir? O silêncio que ensurdece, é o mesmo que engrandece.
    As palavras criam jogos que a alma não aprendeu a jogar, ou melhor, ela não faz questão de entrar nestes jogos pq transcendeu seu entendimento há tempos...
    Lerei o texto q indicou.
    Bj da irmã

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    1. Mara!

      Talvez a pergunta correspondente seja: "Porque o surdo mora no silêncio, não há nada a ser ouvido?"; para qual respondo: sempre há algo a ser ouvido, mas na dependência do grau de surdez, a despeito de haver algo, este algo não alcança o receptor. O fato principal, entendo, é sempre haver algo, e se somos ou não capazes de perceber é outra história...

      Se puder,leia também por favor, no livro a história sem fim de Michael Ende, o capítulo 7 - A voz do silêncio. Sugiro fortemente que evite assistir aos filmes com o mesmo nome, pois os mesmos perverteram por completo a maravilha desta obra prima de Michael Ende.

      Gratidão pela troca prazerosa...

      Um irmão

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  3. Vazio,surdez,silêncio,buraco.....lembrei-me do buraco negro.Será ele a outra face do desconhecido?ou daquilo que nossa vã filosofia não consegue entender?Palavras ao vento, ou palavras saindo do coração indicando aquilo que a razão se julga incapaz de compreender?preencher ou navegar é viver.Um grande abraço meu caro Ricardo.

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  4. Fascinante texto!

    Márcia Cristina Matos Macêdo

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    1. Oba! Aguarde a segunda parte que já está no forno...

      Tudo de bom para você!

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  5. Richard

    Não me lembro se vc leu "Profanos e Iniciados" do Rohden. Mas enfim, recomendo a leitura ou releitura do capítulo "Realidade - ou Realidades?", com especial atenção às páginas 118 a 124.

    Um dia Santo Agostinho foi interrogado sobre o que era Deus; e respondeu: Se ninguém me pergunta, eu sei o que é Deus; mas, se alguém me pergunta, confesso que não sei. E Rohden, conclui: Intelectualmente, ignoro, espiritualmente sei.

    Bjs da Mara, mais conhecida como Maria Inez

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    1. Mara Irmã, atualmente Maria Inez,

      Li sim...

      Bela lembrança do Agostinho, esse menino.

      Perguntar ou não perguntar, eis a questão... O resto só sabe quem está São.

      Um beijo do Richardo

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