quarta-feira, 29 de maio de 2013

SOBRE CORPUS CHRISTI


Dr. Ricardo,

Caro e sempiterno amigo.



Cristo e sua história, em toda sua riqueza de detalhes, vêm sendo continuamente objeto de estudos, considerações e apresentações sob os mais diversos ângulos de análise, sejam eles religiosos, ou não, filosóficos, históricos, psicanalíticos e sociais e, sob apresentações em suportes os mais díspares, que nos vem sendo oferecidos desde tempos imemoráveis até os nossos dias.

Aquilatar os porquês de tamanho interesse foge à parca dimensão de nossa vida, assaz pequena e tão repleta de percalços e embates diários, mormente em razão de nossa complexidade como seres humanos viventes num pedaço tão ínfimo do Universo.

Isso não nos impede, porém, de determo-nos em aspectos que num vicejar ainda que efêmero nos leve a conjecturarmos sobre a vida e as atitudes dessa figura gigantesca que se apresenta sob o nome de Jesus Cristo.

Primeiro logo na infância nos condoemos ao saber de sua triste passagem pela terra e ao abismo doloroso a que foi levado e tragado por todas as forças imperiosas oficiais, ou não, que regiam os destinos dos humanos à época.

Depois, quando atingimos a fase adulta, embora admiremos a figura de Cristo, questionamentos nos fazem pôr em dúvida a demanda de azares que acometeram sua vida e as causas que realmente o levaram a tantos infortúnios e, ao final, à morte pela crucificação.

Em princípio, o porquê o Pai o abandonou, como, aliás, ele mesmo se queixa, já nos estertores da sua malfadada vida, em meio a ganas de violência inusitada e sem limites.

Afinal, o que havia ele feito para merecer tanta violência e um imerecido castigo, de desproporcionalidade sem par e inimaginável.

Logo ele, que até então, levava uma vida simples, voltada a ajudar o próximo sem ver a quem, sem troca de favores, nem mesmo financeiro, haja vista o compartilhar da mesa, do pão e do vinho, em sua “Última Ceia”.

Tanto assim parece que, se a patuleia aceitou, colaborou e apoiou tamanho sacrifício, o dia do acontecer da morte de Cristo, a natureza - sempre sábia - se fez presente em seu desagrado, tornando a data um horroroso dia de trovões, como descreveu Gregório de Matos em soneto:



“Na confusão do mais horrendo dia,

Painel da noite em tempestade brava,

O fogo com o ar se embaraçava,

Da terra e água o ser se confundia



Bramava o mar, o vento embravecia.

Em noite o dia enfim se equivocava,

E com estrondo horrível, que assombrava,

A terra se abalava e estremecia.



Lá desde o alto aos côncavos rochedos,

Cá desde o centro aos altos obeliscos

Houve um temor nas nuvens, e penedos.



Pois dava o céu ameaçando riscos

Com assombros, com pasmos, e com medos,

Relâmpagos, trovões raios, coriscos”.



Alega o Pai, com o aceite e concordância de muitos e muitos outros que lhe seguem a doutrina cristã, que Ele assim o fez para salvar a “humanidade” e remir-lhes, com o seu exemplo, todos os pecados humanos, que, em sua doutrina catalogou: soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja, preguiça.

Ora, tais pecados, ainda hoje, não subsistem a quaisquer exames, ainda que fortuito ou aprofundado, pois os humanos pecam, por serem humanos, nada mais que humanos, não se lhes oferecendo tamanha violência marcada pela crucificação de Cristo, seu filho, em parâmetros de exemplos, em prol da salvação da humanidade, mesmo que nesses pecados sejam incluídos a os dez mandamentos de sua “Lei” divina, consubstanciados no que se chamou “Decálogo”, como, aliás, o renomado cineasta polonês Kieslovski (1941-1996), delineou em sua célebre série sob mesmo nome.

Essa justificação, portanto, não manifesta ser plausível, a qualquer tempo, ainda, porque Deus é o Todo Poderoso e Onipotente, não precisando de tal subterfúgio inclemente e inidôneo para alcançar os seus fins.

Como se não bastasse, ungiu do sangue e do corpo de Cristo, para aduzir a oferenda da salvação, na doutrina eclesiástica, em perpetuação ao sacrifício de sua morte na cruz, nos termos da “Última Ceia” e convertendo a renovação sacramental do sacrifício da cruz no santo ofício da “Missa”.

Toda essa exposição de conteúdo religioso consubstanciou-se ao longo dos tempos em amostragens de fé e religiosidade, que compreendem cultos e procissões, adornadas por tapetes feitos pelos fiéis, com materiais de uso comum para enfeitar o chão por onde passariam, e a remissão dos pecados por meio da “Hóstia Consagrada”, cuja doação é feita aos fiéis no “Calix Sagrado” durante as missas, e, uma e outro guardados em Oratório, no altar-mor das igrejas.



Calix Bento



Ó Deus salve o oratório

Ó Deus salve o oratório

Onde Deus fez a morada

Oiá, meu Deus, onde Deus fez a morada, oiá.

Onde mora o calix bento

Onde mora o cálix bento

E a hóstia consagrada

Oiá, meu Deus, e a hóstia consagrada, oiá.



De Jessé nasceu a vara

De Jessé nasceu a vara

E da vara nasceu a flor

Oiá, meu Deus, da vara, nasceu a flor, oiá

E da flor nasceu Maria

E da flor nasceu Maria

De Maria o Salvador

Oiá, meu Deus, de Maria o Salvador, oiá



(Calix Bento - adaptação livre de Tavinho Moura e voz de Milton Nascimento)



Toda essa manifestação, hoje, congrega em data especial, o dia de Corpus Christi, celebrada, com feriado, procissões, preces e o acender de velas em homenagens ao sangue e ao corpo de Cristo, sacrificado.

Para nossa ventura louvemos Jesus Cristo, sim, mas não esqueçamos que a vida, para sua plenitude e saúde, necessita de compartilhamento e consciência, até mesmo nos atos distantes do pensamento racional, para encontrarmos sua lógica nos esconsos secretos da existência.



Mário Inglesi



Um comentário:

  1. Muito bom texto. Como já era de se esperar, um excelente pensamento. Façamos desta data não apenas um feriado repleto de celebrações cristãs, mas a reflexão de ideais e sentimentos de uma vida de exemplos em prol de nós e dos outros.

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