segunda-feira, 18 de novembro de 2013

DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA - 20.11.2013

Brasil Escola: Zumbi e Consciência Negra

“Cesse tudo o que a musa antiga canta,

Um valor mais alto se alevanta”

(Camões in “Os Lusíadas”)
 


Fixado como feriado em determinados lugares e regiões do País, os negros se propõem chamar a atenção para a necessidade da consciência negra para auferir direitos ainda equidistantes em relação aos brancos, como a paridade salarial, ou, em outra ponta, igualmente para os vis preconceitos que ainda sofrem em diversos níveis sociais.

Tais proposições são mais que justas, e, como tal, merecedoras da atenção especial de todos, negros ou não.

Em princípio, não se pode esquecer de levantar o fato de que o negro e a miscigenação já foram objeto da ciência, em determinada época, como fatores negativos. Isto, advindo da classe científica, foi tomada como total verdade e, como tal, permeou, socialmente, diversos trabalhos de acadêmicos ou de literatos ainda hoje em evidência.

Mas modificar tais trabalhos, hoje, por tais mazelas é deslustrar a história e sua época, em detrimento óbvio de todo conhecimento das novas gerações.

Portanto, não é preciso inquisitorialmente levantar-se contra isso, mas fazer-se entender a situação e o que a levou a instituir-se como tal.

Afinal, estamos no correr do século 21, e a situação social dos negros também, felizmente, não é a mesma instituída à época da escravidão, embora possam ainda existir resquícios de mazelas que ainda atingem os negros, em graus indesejáveis para todos nós.

De todo modo, à lembrança da consciência negra deve juntar-se também o pedido da consciência dos brancos, pois, em muitos e muitos casos, a igualdade de problemas são comuns a brancos e negros, como – só para citar – os casos da pobreza, da fome, da moradia e das condições sub-humanas que os atingem.

Nesse patamar, a igualdade entre brancos e negros é a mesma, e exige de todos consciência e luta, junto aos poderes públicos, e não meras dádivas ou benesses, que só fazem inferiorizar a negritude, destituindo-a de seus valores imanentes.

Para isso se faz mister ter sempre em mente os maravilhosos poemas do poeta negro Solano Trindade, que, com sua arte de resistência, marcou sua presença ativa da cultura negra do Brasil, com a exaltação da cultura negra e de seus expoentes, sempre em prol da liberdade e da presença forte de seus sujeitos, a exemplo dos poemas “Poema Autobiográfico”, "Orgulho Negro”, “Conversa”, “Canto América”, “Reflexão” e “Trem da Leopoldina”, entre tantos outros.



Conversa



 “- Eita negro!

Quem foi que disse

Que a gente não é gente?

Quem foi esse demente,

Se tem olhos não vê…

Que foi que fizeste mano

Pra tanto falar assim?

- Plantei algodão

nos campos do sul

pros homens de sangue azul

que pagavam meu trabalho

com surra de cipó-pau.

Basta mano pra eu não chorar”

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .



Canto América



“Não canto de mentira e falsidade

que a ilusão ariana

cantou para o mundo

na conquista do ouro

nem canto de supremacia dos derramadores de sangue

das utopias novas”



Reflexão

 

“Vou assistir um espetáculo humano;

A confecção de bandeiras iguais,

Para seres que parecem diferentes”



Tem gente com fome



"Trem sujo da Leopoldina

correndo correndo

parece dizer

tem gente com fome

tem gente com fome

Piiiiii

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .



Só nas estações

quando vai parando

lentamente começa a dizer

se tem gente com fome

dá de comer

Mas o freio de ar

todo autoritário

manda o trem calar

Psiuuuuuuuuuuuu”



Nesse cantar simples, solene, o negro se faz presente não apenas por seu passado, mas pela urgência de um futuro compartilhado com reflexões, consciência e atuação: se tem gente com fome, sem condições financeiras, sem saúde e sem moradia, sem escolaridade, sejam negros, brancos ou amarelos, não deixe que “o freio de ar, todo autoritário mande o trem calar, com o seu Psiuuuuuuuu”.

Se isso fizerdes – oh! Glória – tua consciência negra alçará às alturas e terá lugar definido e definitivo neste solo brasileiro. Não sereis mais pessoas presas no tempo e no espaço, inclusive de suas próprias vidas e, assim, suas decisões e escolhas modificarão a sua e a nossa vida, para sempre. Então, como Castro Alves (1847-1871), podereis clamar, aos quatro ventos, com sua bela negritude e a serenidade de um dever cumprido:

 

 “Senhores, a glória de um povo é ser livre…

O nome de livres é o nosso brasão,

Seja esta a divisa da nossa existência.

E este epitáfio se escreva no chão…”

(Ao dia dous de julho – Saudação, parte 3a.)



Ora, nas quebradas desse mundaréu que é este Brasilzão, gente ainda é bicho do mato e, como tal, vive, - se é que isso é viver -, nos esconsos da ignorância, dos complexos preconceituosos e dos anátemas da pobreza, do aniquilamento e da morte.

Nessa confluência abrangente é preciso firmar, para todos, a concretude das aspirações mais profundas do ser humano: ser gente e, não bicho. Ter paz, liberdade, com o flamejar da chama democrática, e, finalmente, darmos, em uníssono, “aquele abraço”, entoando, quiçá, com força e veracidade o refrão de um tema enredo da Imperatriz Leopoldinense, de 1989,:

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  .

“Liberdade! Liberdade!

Abre as asas sobre nós

E que a voz da igualdade

Seja sempre a nossa voz.”



Esse sonho pode apresentar-se como uma distante quimera, uma utopia, mas, de todo modo, é sempre bom sonhar sonhos grandes alvissareiros. Eles ajudam a viver melhor, ainda mais com toda a tentativa de torna-los realidade, com aquiescência e ajuda da consciência negra, por um Brasil real brasileiro, onde as confluências das culturas se aproximem, se mesclem e se construam em novas culturas, onde a negra tenha um lugar de primazia preponderante, fazendo jus ao seu primado histórico de beleza e diversidade, em seu pluriculturalismo imbricado, afastando de vez o olhar disforme de ver o outro com vista precípua à sua cor de pele ou de sua posição econômica, e também não como vítima de um destino traçado pelo colonizador, mas como agentes histórico-culturais como sonhou e se postou Martin Luther King, em seu discurso “Eu Tenho Um Sonho”, de 28/08/1963.

O sonho referido advém da certeza contida no espraiar da consciência para um olhar realmente apurado para ver o outro como a si mesmo, sem tensões, embates, dilaceramentos, prejudiciais a uma convivência humana comum e saudável.



Mario Inglesi.

 

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