domingo, 2 de março de 2014

CARNAVAL



Dr. Ricardo



CARNAVAL

Ó abre alas
Que eu quero passar
Ó abre alas
Que eu quero passar
Eu sou da Lira
Não posso negar
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

(Chiquinha Gonzaga; Abre Alas)

Eu quero é botar meu botar me bloco na rua
Brincar, botar pra gemer
Eu quero é botar meu bloco na rua
Gingar, pra dar e vender
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
(Sérgio Sampaio: Eu Quero Botar Meu Bloco na Rua)

Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros que nós queremos sambar
Ô, ô, sambar, iêié, sambar
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
(Assis Valente : Brasil Pandeiro)


Não é intencional. Faltou-me outro assunto. O Carnaval, realmente, nesta época, tem primazia sobre todas as matérias, importantes ou não. É a maior festa popular multimídia brasileira, queiram ou não todos os falantes em contrário. E mais, se “Deus é Brasileiro”, como afirmam, Ele obviamente consagra a festividade e conclama a todos a participarem do evento, num congraçamento sem precedentes na história do País. Um misto interativo de corpos em alegria, canto e cadência de samba, num bloco único e maciço de povo, sejam quais forem suas diversidades específicas de raça, cor, situação econômica ou política. O primado maior da festa é diversão alegre e sadia, uníssona de todos os participantes, nas ruas com seus blocos; no sambódromo, na visão da magia do deslumbre de luz, sons e cores, nas ladeiras com os bonecos gigantes em Recife, na Bahia correndo atrás do trio elétrico, em busca de uma felicidade de inteireza suprema, ainda que como diz o poeta Vinicius de Moraes:

“Tristeza não tem fim
Felicidade sim.
. . . . . . . . . . . . . . . . .. .. . . . . .

A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
E tudo se acabar na quarta-feira”

Alegam os mal pensantes que a festa traveste-se unicamente do prazer da carne, como aliás foi conclamada em sua origem. Mas se isto for – e daí? – a alegria e a felicidade suplantam qualquer idiossincrasia. O que vige é, na realidade, o “abrassaço“ de todo um povo, num ritual comum de desprendimento, manifesto em favor de uma única tese: foliar, esquecendo as agruras do dia-a-dia e seus problemas desgastantes e, em sua maioria, insondáveis e insolúveis. Fugindo da solidão, do confinamento das grandes cidades, do  estresse, cercados de medos, obsessões, tensões, desgastes, em busca quiçá da vitalidade perdida em todo esse emaranhado de condições e condutas asfixiantes programadas e incutidas como, proceder e guiar a vida em uma só direção, sem pecados ou pecadilhos, ou remorsos e culpas inúteis.
Afinal, é preciso ter em mente, como cantarola Chico Buarque

Não existe pecado do lado de baixo do Equador
Vamos fazer um pecado rasgado, suado a todo vapor

Me deixa ser teu escracho, teu cacho
Um riacho de amor
Quando é lição de esculacho, olha aí, sai de baixo
Que eu sou professor.

Poder-se-ia, ainda que mal se compare, referir-se ao “reino dos céus”, onde a paz e a harmonia vigoram numa alegria sem precedentes, num movimentar de corpos, num cantar desbragado e num olhar de brilho intenso neste nosso planeta terra, onde muito pouco ou quase nada nos é oferecido, além de males sufragados por uma vida assaz medíocre, sem muitas perspectivas de diversão, sonhos e devaneios e esperanças fugazes.
Convenhamos, novamente como Chico Buarque em Sonho de Um Carnaval:

Carnaval, desengano
Deixei a dor em casa me esperando
E brinquei e gritei e fui vestido de rei
Quarta-feira sempre desce o pano

Mas, esse desengano fugaz manifesta-se como um insólito desejo de felicidade:

Era uma canção, um só cordão
E uma vontade
De tomar a mão
De cada irmão pela cidade

No carnaval, esperança
Que gente longe viva na lembrança
Que gente triste possa entrar na dança
Que gente grande saiba ser criança

Afinal voltando a Vinícius de Moraes, em sua Marcha da Quarta de Cinzas :

E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade

A tristeza que a gente tem
Qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir
Voltou a esperança
É o povo que dança
Contente da vida
Feliz a cantar

Nesse cantar, “Canta, Canta Mais, diz Tom Jobim

Canta,
Quem canta o mal espanta
Vai sempre cantando mais, mais
Canta pra não chorar
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .


Canta, canta
Sente a beleza
Canta, canta
Esquece a tristeza
Tanta, tanta
Tanta tristeza
Canta

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Canta, canta
Canta vai, vai
Segue cantando em paz
Canta, canta
Canta mais

Canta.

Como se apercebe, cantar, dançar, minha gente, neste ou em outros carnavais, seja de que modo, canto e lugar forem, é, deixar a “tristeza pra lá”, prediz Martinho da Vila, em seu Canta, Canta, Minha Gente.
Assim, o afastar os problemas, deixar a tristeza e colher a esperança, ainda que, em apenas alguns dias, é recobrar as forças, esquecer as agruras do dia-a-dia, é sonhar. É também e, mais ainda, recuperar o encanto do viver em saudável bem-estar: Carnaval também é nimiamente “Saúde”, vitalidade, vislumbre de uma sociedade irmanada num só objetivo de conquista de felicidade harmônica e interativa
Desse modo, é cantarolar, em alto e bom som:

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
“Vou partir não sei se voltarei…
Tu não me queiras mal
Hoje é carnaval…”

(Nelson Cavaquinho: Vou Partir)

“Um bom samba é forma de oração, na Paz do Senhor
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
E como levei minha vida cantando, na paz do Senhor
Eu deixo o meu canto pra população, na paz do Senhor”

(Candeias: Testamento de Partideiro)

Em síntese, podemos dizer, no recôndito do silêncio, ou no auge da alegria altissonante :
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
“Quem não gosta de samba bom sujeito não é
É ruim da cabeça ou doente do pé
Eu nasci com o samba no samba me criei
e do danado do samba nunca me separei”

(Dorival Caymmi: Samba da Minha Terra)

Se isso é tido como verdade, é também preciso convir que Carnaval não é só samba. É também frevo, maracatu e outras riquezas  folclóricas adjudicadas em favor do brilho do Carnaval e sua alegria.

Ao amigo doutor, saudações momísticas, deste longevo folião-avô - neste tríduo carnavalesco que se aproxima.

Mário Inglesi

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