segunda-feira, 14 de abril de 2014

PÁSCOA – CORDEIRO OU COELHO?

Veja também: Páscoa - um pouco mais...


Experimente escutar o Agnus Dei de Barber enquanto lê o texto...

Culminância e profundeza, alegria e mistério, seiva e sangue permeiam a memória do planeta, que desde seus primórdios celebra o momento presente enquanto símbolo maior da vida. A Páscoa fundamenta tema de rara complexidade e limitado alcance ao humano, fadado à parcialidade por melhor que seja a intenção. Este passeio denota uma possibilidade, ainda que limitada, de contemplar o mistério vivo e seu correlato: o ministério da vida.

Como tudo o que a vida toca, o símbolo se transforma, e ainda que a visão não seja plena, sejamos reverentes às faces que se nos apresentam, pois que talvez se trate apenas de parte. De fato, mais que o símbolo, é o olhar que se transforma, passando a ver o que sempre esteve ali com outra veste. Na antiguidade, Vesta (Vesta – romana; Héstia – grega) portava e preservava o fogo sagrado, símbolo maior da vida.

Fora primavera e equinócio que fundamentasse a força da terra que germina; fora o sangue do cordeiro que sinalizasse à passagem do anjo da morte preservando os primogênitos antes da fuga do Egito; fora o sangue do cordeiro (áries) que tenha se manifesto a partir das águas do caos (peixes); fora o humano que compreendeu que a Vida é mais e A escolheu, que a essência luza e em sua luz possamos banquetear ágape. E que este passado seja mais que perfeito em forma, pois que é essência.

Rupert Sheldrake convida que admiremos a natureza sob a perspectiva de hábitos que evoluem e não a partir do paradigma de leis imutáveis – veja em: TED - Os Hábitos da Natureza. Curiosa e desconfortável abordagem para aqueles de nós em busca de verdades apreensíveis, inquestionáveis e inquebrantáveis, quem sabe verdades mortas; afinal só o que é morto não muda, vida é mudança e transformação.

Olhar a Páscoa atualizada por esta lente é descobrir semelhança clara entre as concepções acima; desde Ostera (Easter) que carrega o coelho e representa as forças da natureza primaveril do equinócio, passando pelos primogênitos que preservam a vida após a passagem do anjo e culminando em Cristo que nasce na terra quando o sangue do corpo de Jesus (Agnus Dei) toca o solo, em todas estas Páscoas é possível ler o que subjaz às aparências; a vida que silenciosamente as permeia. Diferentes visões, diferentes hábitos, apenas um movimento na transfiguração do símbolo que ganha roupagens diversas ao se mesclar ao tecido temporal da história da humanidade. Afinal, as coisas são o que são porque foram o que foram.

Por se tratar de festividade móvel, no calendário solar, a cada ano a celebração da Páscoa é calculada segundo algoritmos relacionados à posição dos luminares celestes, o Sol e a Lua. Na época da Páscoa, do ponto de vista calendário zodiacal, o Sol está na maioria das vezes relacionado ao signo de Áries e menos comumente ao signo de Touro, visto variar entre os dias 22 de março a 25 de abril, em ciclos que se repetem a cada 5,7 milhões de anos (vide figura abaixo).



Práticas irmãs, podemos observar que o judaísmo e o islamismo guardam nítida afinidade com a Lua, enquanto a prática cristã com o Sol. A simples observação de como o dia é descrito no Gênesis torna isso claro (Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o primeiro dia).

Veja sobre calendários lunares:



Ora, a Lua apesar de eventualmente diurna, reina soberana à noite; sendo assim, certas culturas assumem a noite como princípio do dia. Até onde pude notar, verifique você, a Páscoa judaica sempre ocorre na Lua cheia; de modo complementar, a Páscoa cristã nunca ocorre na lua cheia, menos ainda com a lua se enchendo (caminhando para fase cheia), mas sempre que a mesma está se esvaziando na direção de nova. Este fato, de forma alguma coincidência, é o motor da mobilidade da Páscoa conforme observada no calendário solar. Veja como é feito o cálculo da Páscoa:


A dificuldade em lidar com a dicotomia simbólica do coelho e do cordeiro em relação à Páscoa, especialmente quando se pensa em Cristo ou na passagem do anjo da morte, decorre da superficialidade do olhar dos observadores. Aparência e essência; em uma a multiplicidade da unidade, noutra a unidade da multiplicidade. Duas situações, um símbolo, o sangue do cordeiro; no primeiro caso, Cristo Jesus é a própria representação do cordeiro (Agnus Dei) a ser imolado; no segundo caso, a marcação das portas com o sangue do cordeiro impedindo que os primogênitos das famílias judaicas fossem levados pelo anjo da morte (vide pragas do Egito).

Páscoa - Coelho ou Cordeiro?
 Vale ainda lembrar que os leporídeos coprófagos (coelhos) que não botam ovos e tem alta capacidade reprodutiva (gestação breve (30 dias) e em alguns casos aptos à fecundação com menos de seis meses de idade) encontram sua relação com a Páscoa em Ostara (Sobre Ostara - Wikipedia), entidade associada em mitologias antigas ao início da primavera.

Quanto aos ovos, existem relatos de que nem sempre foram comestíveis, apenas decorados com símbolos primaveris e sagrados. Curioso que atualmente muitos acreditam comer chocolate quando na verdade saboreiam essência de cacau misturada com leite e gordura hidrogenada. O simples hábito de ler o rótulo do produto pode minimizar este “atentado” à saúde decorrente de práticas comerciais que visam lucrar em detrimento da saúde alheia. Em reportagem recente (2014) para revista de utilidade pública, especialistas alertam:

“No geral, o trio de experts concluiu que os ovos testados são "regulares". “Tenho pena das crianças de hoje, que crescem achando que esse tipo de doce é chocolate”, lamentou Janaína. Para Corazza, o cenário é “entristecedor e funciona como um desserviço à sociedade”. Critérios como a qualidade do chocolate, a espessura da casca e a textura do recheio, bem como a harmonia entre os dois fatores, deixaram a desejar. “Muitos deles nem pareciam chocolate de verdade”, criticou Danielle. "Tinham sabor de essência e gordura hidrogenada", diz ela. Fonte: Artigo Veja SP

Apesar de percalços como estes, a época da Páscoa é ideal para melhor compreender as semelhanças entre as visões judaica e cristã. Nesse sentido, a Wikipédia oferece um vislumbre bastante razoável sobre o tema:







A despeito do convencionalismo da época e dos costumes vigentes desde nossa infância, existem abordagens do tema pouco conhecidas. Rudolf Steiner é um destes pensadores que exploram com reverência suprema, em sua bela obra “O Evangelho Segundo João”, o evento Páscoa, culminância da experiência de Cristo Jesus (Pode ser escutado em inglês no link: Steiner - Evangelho São João). O autor nos apresenta a ideia de Cristo enquanto entidade cuja “gestação” ganha espaço na figura histórica de Jesus, no momento do batismo à margem do Rio Jordão. Por três anos Cristo Jesus irradia em seus passos o fundamento de sua manifestação, a semeadura do princípio do amor na Terra. Nessa linha a Páscoa representa a culminância de um processo supremo no qual Cristo “gestado” em Jesus permeia, a partir do sangue derramado no Gólgota (lugar da caveira), o corpo da Terra; neste momento a própria entidade Cristo nasce no seio do planeta. É curioso notar como este simbolismo unifica a Páscoa de modo sui generis, visto transformar uma primavera exclusiva ao hemisfério norte em outra, a Primavera de uma Terra unificada.



Max Heindel e Corinne Heline também deixaram algumas pérolas sobre a mística pascal que pedem atenção da parte do estudante interessado em se aprofundar no assunto:





 
A Ressurreição de Cristo - Rafael Sanzio - (1483-1520)

De fato, toda Páscoa é natividade e momento de reflexão. Kieslowski em seu “Decálogo” aguça a percepção, sendo profilaxia às escolhas por vir...

Aqui o primeiro de dez, os outros são fáceis de achar:




Nikos Kazantzakis, escritor, poeta e pensador Grego; autor de “Zorba o Grego” e “A última tentação de Cristo” (1951), filmado a posteriori por Martin Scorsese (1988), me acompanha nesta Páscoa em sua curiosa obra: “O Cristo Recrucificado”. Natividade é o nome que ele usa para descrever este momento em que Cristo revisita a terra. Finda a obra, uma pequena parábola contada pelo personagem Photis, chamou atenção:




– Era uma vez dois caçadores de pássaros que foram montar armadilhas numa montanha. Armaram-nas e, voltando no dia seguinte, que viram? Estavam cheias de pombos selvagens. Os pobres animais jogavam-se contra as redes num esforço desesperado para escapar, mas as malhas eram muito cerradas; por fim os pombos se encostaram uns aos outros e aguardaram, tremendo. “Estes animais danados estão pele e osso”, disse um dos caçadores. “Como é que vamos vendê-los no mercado?” “Nós os alimentamos bem por alguns dias para engordá-los”, disse o outro. Deram-lhes grão em abundância, trouxeram-lhes água. Os pombos começaram a comer e a beber com avidez. Um apenas se recusou a tocar no grão. Nos dias seguintes, foram alimentados do mesmo modo. Engordavam à vista d’olhos. Só o refratário emagrecia e tentava sem descanso passar através da rede. Vieram enfim os caçadores buscá-los para os levar ao mercado. O pombo que recusara a comida tinha emagrecido tanto que num golpe de asa voou, livre, no ar...


 Na esperança de que tenhamos clara no coração a diferença entre Buda e Budismo, Cristo e Cristianismo, Páscoa e "Pascoalismo", ficam aqui os votos de uma Boa Páscoa!


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