terça-feira, 8 de abril de 2014

SIMETRIA IV - UMA POSSIBILIDADE INSÓLITA

Continuação de:

Simetrias I
Simetrias um pouco mais
Simetrias II
Simetrias III




Narciso e Eco - Observe-se a verticalidade x horizontalidade além da cor das vestes


Existe como que uma simetria linguística, conceitual, envolvendo as ciências duras e moles. Dura e mole são, neste caso, sinônimos para o entendimento respectivo das ciências natural e social (Ciência - wikipedia). Grosso modo, a sustentação conceitual para que uma ciência seja considerada dura é a existência de um paradigma (modelo) sobre o qual ela possa ser constituída (Paradigma - wikipedia). Os proponentes mais exaltados deste pensar argumentam que as "ciências moles" não usam o método científico, e que ousam admitir evidências “anedotais” ou não matemáticas, carecendo de rigor em seus métodos!

Oponentes moderados argumentam que as "ciências sociais" se articulam sobre sistemáticos estudos estatísticos em ambientes estritamente controlados e que essas condições nem sempre são respeitadas sequer pelas ciências naturais. Cite-se a Astronomia, ciência observacional que se desenvolve peculiarmente, haja vista as grandezas e distâncias envolvidas.

Galáxia Sombrero

De fato, para uma teoria classificar-se como científica, deve obedecer aos rigores do método científico sem que transcenda o paradigma vigente sob o qual foi concebida. Mas, e se a teoria não couber no paradigma, for maior que ele? Isso implica que para um conhecimento em humanidades adquirir grau de científico, deveria se articular sobre um paradigma. Neste caso, isso implicaria em estabelecer um modelo ou compreensão básica em relação à questão magna: “O que é a Vida?”. Mas como alcançar questionamentos desta envergadura neste momento em que o humano chafurda em preconceitos? Pré conceitos falsos assumidos a priori decorrentes de seu próprio desinteresse a respeito do que seja a vida. Para muitos, até hoje, a Terra orbita um Sol central estático, ignorando o fato do mesmo ser um viajor sideral a cerca de 72000 Km/h ou 20 Km/s!


Supondo que tal paradigma pudesse ser estabelecido, uma ciência, gramaticalmente constituída e funcionalmente equipada, com sua matemática própria e com suas leis daria os ares de sua graça. Curioso notar, entretanto que o próprio método científico e seu atual paradigma dificulta a possibilidade de um novo olhar, visto ser hoje pedra angular de toda estrutura social. Na mesma medida em que é palavra última a respeito do que se trata a vida e sobre qual é a direção do “progresso” e sobre o que é desenvolvimento, silenciosa e sub-repticiamente determina como as pessoas devem viver.



“Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade” (J.G.)



Lembre-se que o humano, sendo sugestionável e respondendo instintivamente a muitas situações, presentemente tem pouca consciência do processo maior que subjaz à própria existência. De fato, viver menos de um século deveras dificulta esta compreensão, especialmente em momentos de liquefação nas relações e aceleração do ritmo de vida decorrente do estado sutil de adoecimento social. Fundamentalmente isso deságua em outra questão magna da qual o humano se afasta mais a cada dia: “Qual é o sentido da vida?”. Ocuparam-se desta questão com propriedade solene, dois pensadores de ascendência judaica, Viktor Frankl e Erich Fromm.

Em vista da insolubilidade epistemológica desta questão, Schrödinger, físico fundamental na elaboração da teoria quântica (cuja equação de onda leva seu nome), interessado em religiões tradicionais e filosofia da física, deu um pequeno passo em seu modesto e profundo ensaio: “O que é a vida” (What is life – 1944). Sem entrar nos pormenores, a parte curiosa diz respeito à sua colocação em relação às simetrias e à biologia. Nesta obra, leitura imprescindível, o autor esmiúça um olhar simétrico e comparativo aos cristais periódicos e aperiódicos. O cromossomo (DNA) pode ser visto como um cristal aperiódico carregador da vida, segundo ele. Em suas palavras:


“Para dar à sentença vida e cor, permita-me antecipar o que será explicado em muito mais detalhes à frente; seja que a parte mais essencial de uma célula viva, o cromossomo, possa ser chamada apropriadamente um cristal aperiódico. Em física temos lidado, até então, apenas com cristais periódicos. Para a mente de um físico humilde, estes são objetos muito interessantes e complicados, constituindo uma das mais fascinantes e complexas estruturas materiais pela qual a natureza inanimada arquiteta sua perspicácia. Ainda assim, comparados aos cristais aperiódicos, eles são mais simples e sem graça. A diferença em estrutura é do mesmo tipo que aquela entre um papel de parede ordinário no qual o mesmo padrão se repete indefinidamente em periodicidade regular e um bordado artístico, digamos uma tapeçaria de Rafael, sem repetições óbvias, mas um desenho elaborado, coerente, significativo traçado pelo grande mestre. Ao chamar o cristal periódico como um dos mais complexos objetos de sua pesquisa, eu tinha em mente o físico propriamente. A química orgânica, na verdade, ao investigar moléculas mais e mais complexas, se aproximou muito mais daquele “cristal aperiódico”, que em minha opinião, é o material carregador da vida.” (E. Schrödinger – What is life? The Physical Aspect of the Living Cell – 1944. p.3-4)




Cerca de nove anos após as palavras de Schrödinger, Watson e Crick em 1953 descreviam a molécula de DNA, sendo em 1962 agraciados com o Nobel de Medicina. Mais recentemente, em 1995, uma nova obra: “O que é a vida? 50 anos depois” – traduzida pela editora UNESP – revisita a proposta de Schrödinger e nos presenteia com várias novas pérolas e especulações sobre o futuro da biologia; merece ler e reler!

Recentemente, alguma atenção foi dada aos cristais aperiódicos conforme citação na segunda parte da presente reflexão, em relação aos quasicristais. Mas enquanto a ciência não monta o “quebra-cabeça”, sempre vale apreciar visões menos convencionais, que fora do paradigma vigente possam oferecer alternativas ao pensamento cristalizado, mineralizado e quiçá morto.


A fim de explicitar graficamente as relações possíveis no mundo fenomênico, os físicos utilizam o diagrama de Minkowiski (Diagrama Minkowski - wikipedia). Pelo diagrama é possível observar três tipos de intervalos na descrição da realidade: tipo tempo, tipo espaço e tipo luz. Grosso modo, habitamos uma realidade do tipo tempo, caracterizada pela observação sucessiva de eventos que interpretamos a partir da noção de que uma causa gera um efeito consequente. Simplificando, no intervalo tipo luz, o tempo pararia e a causalidade cessaria como se fosse um mundo de simultaneidade atemporal. No intervalo tipo espaço, é concebida conceitualmente a ideia de um espaço de realidades fenomênicas ocorrendo a velocidades superiores à da luz, o que ocasionaria um desacoplamento da relação de causa e efeito conforme estamos habituados, podendo o efeito se manifestar antes da causa, por exemplo. Esta concepção aparentemente insana é bem ilustrada por Steiner abaixo. Autores como Alan Lightman em “Sonhos de Einstein” e Italo Calvino em “Cidades Invisíveis” encaram estas ideias com galhardia e estimulam a criar espaço interior para conceber a realidade sob perspectivas inusitadas até o momento presente.

Rudolf Steiner proferiu uma palestra em 17 de maio de 1905 sobre possibilidade insólita e ainda pouco considerada em nossos dias, senão repudiada. Trata-se de um olhar à quarta dimensão como outro plano de existência, chamado pelo autor de mundo astral. O pré-requisito básico para a compreensão das ocorrências neste espaço seria a interpretação simétrica de eventos! Nas palavras de Steiner, os eventos posteriores ocorreriam primeiro e os anteriores ocorreriam a posteriori, ocorrendo aqui como que uma inversão na relação de causalidade (causa-efeito). Se no plano físico o nascimento ocorre primeiro e nascimento significa que algo novo nasceu de algo antigo, no plano astral o antigo emergiria do novo, de modo que a paternidade e a maternidade estariam de fato no interior do filho ou da filha.

Usando a mitologia grega como instrumento, Steiner simboliza três mundos a partir das divindades gregas Urano, Cronos e Zeus. Urano representando o mundo do pensamento (devachan), Cronos o mundo astral e Zeus o mundo físico. É dito que Cronos devorava suas crianças. No mundo astral, a criação não nasce, mas é devorada. Nas palavras de Steiner:

“A questão se torna ainda mais complexa quando consideramos a moralidade no plano astral. A moralidade, também aparece de forma reversa, ou como sua própria imagem espelho (simétrica). Você pode imaginar o quanto as explicações dos eventos lá diferem de nossas explicações habituais no mundo físico. Imagine, por exemplo, que vejamos um animal selvagem se aproximando de nós no mundo astral e que ele nos devora. Assim é como parece para alguém habituado a interpretar eventos externos, mas não podemos interpretar este evento como o faríamos no mundo físico. Na realidade, o animal selvagem é uma qualidade interna, um aspecto de nosso próprio corpo astral que nos devora. O ataque devorador é uma qualidade residente em nossos próprios desejos. Se tivermos um pensamento de vingança, por exemplo, o pensamento pode assumir uma forma exterior e nos atormentar como o Anjo da Morte. Na realidade, tudo no mundo astral irradia de nós. Devemos interpretar tudo que se aproxima de nós no mundo astral como irradiado a partir de nosso interior. Este conteúdo retorna a nós por todos os lados como vindo da periferia, do espaço infinito. Na verdade, entretanto, estamos nos confrontando apenas com o que nosso próprio corpo astral emitiu.” (R. Steiner – The Fourth Dimension – Sacred Geometry, Alchemy and Mathematics – p.20)




É preciso parcimônia neste momento em que tudo parece vitimado por explicações quânticas, apesar de até agora a teoria estar dando conta do recado, ao menos dentro do domínio físico material. Aferir realidades suprassensíveis com técnicas e materiais de uma realidade inferior parece contrassenso a ser repensado. Ao que tudo indica pode ser necessária uma transformação na própria forma como concebemos a realidade antes de prosseguir.



Explicar o inexplicável ou inefável com substratos do mundo da matéria pede atenção! A razão e a lógica são ferramentas indiscutivelmente poderosas dentro de suas arenas, mas podem não sê-lo em outras questões. Um modelo alternativo de elaboração, nem melhor nem pior, apenas diferente, é o pensar analógico que encontra nos mitos sua expressão plena. Os mitos funcionam como um milagre ou espelho que por concessão simétrica nos permite algum vislumbre do incognoscível, desde que haja mínima reverência no coração do buscador pelo fundamento de sua busca (Michael Ende trata disso no capítulo 6 e 7 da obra "História sem Fim").

Não bastasse isso tudo, um afastamento temporal ainda mais ousado, permite o vislumbre de um fenômeno simétrico significativo, ainda pouco compreendido, descrito por Paulo na primeira carta aos Coríntios.
Conversão de Saulo - Note-se a horizontalização do humano e a verticalização do animal - Damasco (Cidade do Jasmin)


“A nossa ciência é parcial, a nossa profecia imperfeita. Quando chegar o que é perfeito o imperfeito desaparecerá. Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, julgava como criança, quando me tornei homem, acabei com as coisas de criança. Porque agora vemos por um espelho, obscuramente; mas então veremos face a face. Agora conheço em parte; mas então conhecerei plenamente, assim como também fui plenamente conhecido.”


A provocativa simetria poética do texto acima se faz ainda mais significativa quando vista à luz da concepção Paulina de corpo psíquico (Soma Psuchicon - Psiqué – Alma), corpo alma – que animaria o corpo físico (anima = alma) e permitiria o despertar consciente nos planos suprafísicos; enfim, a ideia de um corpo representando a própria manifestação conceitual e funcional de simetria.

Loucura ou caminho para um pensar mais vivo?


3 comentários:

  1. Acabou...? Quero mais!
    Por falar de simetrias, parece q estamos caminhando em espaço-tempo paralelos.
    Colocar Schoredinger, Steiner e Paulo de Tarso em conexão foi uma obra de arte.
    Obrigada por compartilhar.
    Muito bom mesmo.
    Saudades.
    MP


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    Respostas
    1. Cara MP!

      Eu que lhe agradeço a bondade das palavras!

      Sobre quero mais, só posso lhe dizer que já está sendo feita a massa para a próxima pizza, adianto que será sabor simetrias literárias e mitológicas...

      Ainda guardo nas mangas material de estudiosa renomada sobre o infinito e sobre o efeito Schumann.

      Sendo assim, não acabou, apenas começou...

      Até já

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  2. Ricardo, obrigada pelas reflexoes e textos maravilhosos compartilhados.
    Excelente Pascoa, Feliz renascimento. Shirley

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