quarta-feira, 14 de maio de 2014

SEXUALIDADE E SAÚDE II

Continuação de: Sexualidade e Saúde I


No último mês, os paulistanos foram presenteados com uma bela imagem na decoração de seus relógios de rua, uma mocinha com sutiã e calcinha e face enigmática alternando com o comercial de um medicamento para dor, ambos em tons avermelhados. Sem querer negar a profundeza da imagem angelical assim como a competência do propagandista, me passou o pensamento “impuro” sobre como a questão é delicada, especialmente aqui no Gigante deitado eternamente em berço esplêndido ao som do mar e à luz do céu profundo.
            Algumas vezes no estrangeiro pude notar a ideia que os irmãos humanos de outros países fazem do feminino brasileiro, cá entre nós melhor nem saber! Penso que a questão da sexualidade e sua exploração midiática é tema que deve ser atentado ao menos pelos que caminham em busca de sentido.
De fato, Freud (não é Frôdo (senhor dos anéis) não, leia-se Fróide) e seu sobrinho Bernays, conforme explorado no intrigante documentário inglês - “O Século do Self”, são experts no tema. Quando Freud explora conceitualmente a ideia de libido, abre-se precedente para experimentalmente testar seu fundamento prático. Os autores exploram a ideia genial e bombástica de que a libido, enquanto atributo humano poder ser direcionada pelo seu portador (mundo interior), mas também por estímulos vindos do mundo exterior!
Freud explora de forma perseverante a ligação da libido com o impulso sexual do humano. Seus sucessores, como Carl Jung (veja-se Iungui), ousaram apontar que a libido poderia ser dirigida não apenas para baixo (criatividade pelo sexo), mas também para cima (criatividade pelo cérebro), associando à libido a capacidade criadora do humano. Na verdade, que a libido agia naturalmente de modo ascendente, já era de algum modo conhecido desde há muito na antiguidade ao se castrar meninos (Castrati) para que suas vozes não engrossassem e pudessem continuar a cantar em certa afinação mesmo após a puberdade.

Agora o humano podia criar a partir da libido – relação sexual – outro ser; e poderia criar a partir da libido – relação intelectual – outra realidade. Pergunto-me com frequência: poderia uma nação excessivamente culta sexualmente o ser intelectual e criativamente? Uma sentença para cada cabeça, a de cima e a de baixo, contingências dependentes dos usuários, eventualmente dos usurários.

Enquanto isso, no outro lado do mundo, em curiosa matéria no New York Times sobre uma série no canal “agá bê ô”, o repórter mostra surpresa ao relatar cenas de incesto e estupro meticulosamente programadas pelos personagens!

Ao que tudo indica, seja na moça de calcinha e sutiã nos aparelhos que mostram propagandas e hora pregados em canteiros, às vezes na mesma rua a cada cem metros, seja nos canais de formação de sensações e opiniões, essa questão da libido e sua estimulação é relevante e pede um olhar das autoridades de Saúde.
     Uma devassa nesse sentido seria bem vinda, mas uma devassa - averiguação - não aquela outra - libertina - e muito menos aquela terceira, que aparece depois da mocinha e que atrofia o cérebro.
Acredito que utilizar a sexualidade como estímulo ao motor social, nada contra, deve ser feito com uma pitada a mais de parcimônia por parte dos gestores. Tudo o que optamos por usufruir sustenta a cadeia desde a ideia semeada até a propaganda manifesta em imagem. Imaginação é imagem em ação; a imagem deve ser antes colocada em ação interiormente; hoje se sabe que a imagem em ação exterior interfere no processo de criação de imagens interiores e conduz e induz mesmo aqueles de nós mais bem intencionados...
A falta de sentido interior é mãe da ânsia por preenchimento com exterioridades. Os buracos dos sapatos e das bolsas são respostas irmãs aos “fálicos” automóveis e cartões de crédito assim como aos anseios de uma sociedade que se afastou de seu fundamento existencial. Como não bastasse, brotam ainda vícios e ambições desmedidas a sedar ainda mais os sentidos; consciência, só em último caso, porque é chato e dói. Assim, enquanto reina a falta de disposição para o sacrifício (ofício sagrado – sacro ofício), que o sofrimento nos auxilie a reencontrar o caminho!


3 comentários:

  1. Concordo e complemento:

    Santo Agostinho (354-430) em "Confissões", fala sobre o perigo da curiosidade na vida de quem busca o encontro com a espiritualidade (Livro VI, cap. 8)

    "Não querendo por nada deixar a carreira mundana, tão decantada por seus pais, partira
    antes de mim para Roma, a fim de estudar Direito; lá se deixou arrebatar de modo incrível, e com
    incrível avidez, pelos espetáculos de gladiadores.
    A princípio, detestava e aborrecia espetáculos semelhantes. Certa vez, encontrando-se
    com alguns amigos e condiscípulos que voltavam de um jantar, apesar de resistir, foi arrastado
    por eles com amigável violência para o anfiteatro, onde naquele dia se celebravam jogos funestos
    e cruéis.
    Ele recusava com veemência, e resistia, dizendo: “Mesmo que arrasteis para lá meu corpo, e o retenhais ali, podereis por acaso obrigar minha alma e meus olhos a contemplar tais espetáculos? Estarei ali como ausente, e assim triunfarei deles e de vós”. Mas eles, não fazendo caso de tais palavras, levaram-no, talvez para verificar se poderia ou não cumprir a palavra.
    Quando chegaram, ocuparam os lugares que puderam, pois todo o anfiteatro já fervia nas
    paixões mais selvagens. Ele, fechando a porta dos olhos, proibiu que sua alma se envolvesse
    em tal crueldade. E oxalá também tivesse tapado os ouvidos! Porque, em um lance da luta, foi tão
    grande o clamor da multidão que, vencido pela curiosidade, e julgando-se preparado para
    desprezar e vencer a cena, fosse o que fosse, abriu os olhos. Foi logo ferido na alma mais
    profundamente do que a ferida física do gladiador a quem desejou contemplar e caiu. Sua queda
    foi mais miserável que a do gladiador, causa de tantos gritos. Estes, entrando-lhe pelos ouvidos,
    abriram-lhe os olhos, para ferir e abater sua alma, mais temerária do que forte, e tanto mais fraca
    por apoiar-se em si mesma, em lugar de se apoiar em ti. Logo que viu sangue, bebeu junto a
    crueldade, e não se afastou do espetáculo; pelo contrário, prestou mais atenção. Assim, sem o
    saber, absorvia o furor popular e se deleitava naquela luta criminosa, inebriado de sangrento
    prazer.
    Já não era o mesmo que ali viera, era agora mais um da turba à qual se misturara, digno
    companheiro daqueles que para ali o arrastaram.
    Que mais direi? Contemplou o espetáculo, gritou, apaixonou-se, e foi contaminado de
    louco ardor, que o estimulava a voltar, não só com os que o haviam levado, mas à sua frente, e
    arrastando a outros. Mas tu te dignaste, Senhor, livrá-lo deste estado com mão forte e
    misericordiosa, ensinando-o a não confiar em si, mas em ti, embora isto acontecesse muito tempo
    depois."

    Bjs

    Maria Inez

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  2. ps. Nas linhas acima, ele (Santo Agostinho), narra o caso de seu amigo Alípio.

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