segunda-feira, 16 de junho de 2014

REVERBERAÇÕES ARQUETÍPICAS DO CHUMBO



Por: Renata Ferraz Torres – Psiquiatra e Analista Junguiana.


Vai aqui uma pequena reflexão a respeito daquilo que sentimos ser mais pesado dentro de nós. Qualquer pessoa, ao fechar os olhos e se interiorizar, é capaz de lembrar-se de algo lamentável e pesaroso, a respeito do que se arrepende ou faria dessa vez de forma diferente, caso fosse possível voltar atrás e reviver.
Os chamados alquimistas, que podem ser remontados desde Egito Antigo até Europa Medieval, dedicavam-se a transformar chumbo – aquilo que é mais pesado, o menos precioso dos sete metais – em ouro: algo brilhante, valioso, digno de orgulho.
O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875 – 1961) dedicou-se ao estudo da alquimia como uma comparação metafórica do caminho do autoconhecimento. Denominou “processo de individuação” a ampliação de consciência possível a um ser humano dedicado a essa difícil empreitada, que consiste em descolar-se do instinto e das forças do inconsciente e construir um forte eixo entre consciente e inconsciente. Através dessa laboriosa jornada, consciente e inconsciente passariam a se comunicar de forma especial e facilitada. Tal caminho pode ser alcançado, por exemplo, através da dedicação à análise de sonhos (dentro de uma psicoterapia ou através de autoanálise, desde que corretamente conduzida).
Reconhecemos as pessoas que estão nesse caminho da individuação como aquelas que não só envelhecem com o decurso do tempo, mas tornam-se sábias.
O trabalho interior corresponde a tentar transformar aquilo que é mais pesado em algo mais valioso, mais brilhante, melhor. Além disso, consiste também em aceitar e acolher aquele chumbo que também talvez não consigamos transmutar em ouro. Isso porque existem coisas que não serão possíveis de mudar. Sobretudo o passado.
A psicoterapia se dedica a ressignificação do passado, isso é, ter uma compreensão especial a respeito do que já foi. Acolher o passado, aceitá-lo, transformar as lembranças traumáticas que trazemos conosco, e que podem constituir-se como uma bagagem bastante pesada caso não façamos um trabalho interior. Apenas através da ressignificação é que o passado pode ser transformado, e com isso podemos entrar num verdadeiro “túnel do tempo” e assim nos visitar no passado. Aceitar e perdoar quem fomos ontem, de modo a nos libertar no presente e ampliar o leque de quem somos hoje e podemos ser amanhã, no futuro.

PLANETA SATURNO - IMAGEM REAL




Na astrologia o chumbo é representado pelo planeta Saturno, o senhor do tempo. Em algumas tradições Saturno é chamado, ao lado de Plutão, um dos “planetas malignos”. Isso porque ele aponta em nosso mapa astral o lugar da fragilidade, da deficiência, da dor e da dificuldade. Porém, nos mostra também aonde, empreendendo um sério e profundo trabalho interior, podemos nos tornar mestres. A astróloga Liz Greene aponta que Saturno “não é simplesmente um símbolo de dor, de restrição e de disciplina, mas também um símbolo do processo psíquico, comum a todos os seres humanos, por meio do qual um indivíduo poderá utilizar as experiências de dor, de restrição e de disciplina como um meio de ampliar sua consciência e seu desempenho”.
Aonde somos Saturno é o lugar a partir do qual a maior superação e transcendência é possível, em termos de quilometragem de percurso percorrido entre o início e o fim da caminhada. Aonde somos ouro (signo solar) cabe luzir e brilhar, nesse aspecto já somos mestres. O signo e/ou aspectos relacionado(s) a Saturno é aonde, para luzir e tornarmo-nos mestres, teremos que trabalhar muito.


Quero aqui fazer um elogio à Saturno. Ao invés de olharmos para ele como um “maligno”, creditemos a esse mestre espiritual o quinhão que merece. No final das contas, ser ou não um sábio deve ter mais relação com quanto trabalhamos nosso chumbo, e não o ouro originalmente recebido.

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