sábado, 11 de fevereiro de 2012

A DIVINA FUMAÇA


POR MÁRIO INGLESI
Meu caro amigo
Outro dia, numa visão panorâmica em seu “Blog” deparei-me com a postagem, na Sessão de Saúde é Consciência, de um texto sob o título de “Força de Vontade e as Drogas”.

Apesar do interesse pelo assunto, minha incredulidade – desculpe – foi mais forte. Creio que, no caso do cigarro, o querer, ainda que com muita vontade, não se apresenta suficiente para largar o vício. Aliás, me fez lembrar o tal “Sorria, você está sendo filmado” ou o famoso “Pensamento Positivo”. Ir ao supermercado ou a um shopping, a tantas horas do dia ou da noite, por obrigação ou cumprimento de um dever quase cívico, realmente não dá para “sorrir”, nem por prazer nem para atender a um mero pedido incongruente. No caso do ”pensamento positivo” ainda é pior. Como, em estando na rua, livrar-se de uma bala perdida, num mero tiroteio entre policiais e bandidos?

No caso da “Força de Vontade” para largar o fumo, afigura-se como uma mera força de expressão. Se há realmente um vício que induz ao prazer e crises de abstinência que levam a alterações comportamentais, como sugerir-se ”Força de Vontade”? Manifesta-se, realmente, apenas uma “frase de efeito”, cuja aplicabilidade e resultado são inócuos se não despropositados. Entretanto, - quem sabe - em caso de iniciantes ao fumo, ela tenha alguma validade?
 
Bem. Mas este não deve ser o foco da atenção primária.


O que é preciso rever com urgência é a situação atual dos pobres e sofridos fumantes, inveterados ou não. Hoje, há uma batalha desigual e de grande extensão contra eles. Estão invadindo a sua privacidade de modo terrificante, cercando-os cada vez mais em guetos, ou, então, amedrontando-os com imagens terrificantes-apostas nos maços de cigarro, de doentes terminais. Falta, para muitos de seus opositores, apenas acender os fornos crematórios. Estão sendo vistos como hereges e, como tal, confinados cada vez mais, a espaços sempre mais reduzidos. Excluídos, no lar doméstico, no trabalho, nos lugares públicos ou particulares, enfim, de todo convívio social. São vistos e não tratados como viciados, mas como caso de policia. Como verdadeiros assassinos de crimes hediondos. Parece “sina de caboclo”: sempre na roça.

Com isso, os verdadeiros crimes vicejam, em larga escala, cada vez mais, pelas cidades e ruas deste país.  Senão, veja-se a poluição, o esgoto a céu aberto, as queimadas, as balas perdidas, a corrupção cada vez mais em alta, os aditivos cancerígenos das balas, doces e outros alimentos comidos pelas crianças, os agrotóxicos, os hormônios e antibióticos nas carnes em geral, as usinas nucleares, a poluição dos rios, riachos, encostas e demais, e crimes outros e mais outros, impunes ou não considerados como tais, ou cuja punição resvala, em sua maioria, ao esquecimento total.

O caso dos fumantes é de todo modo triste senão aflitivo, e sem perspectiva de mudança de solução realmente equânime para todos, porque “a doença é traiçoeira, crônica e recidivante”, como salientou o Dr. Drauzio Varella, no final de artigo seu publicado na Folha de São Paulo, pág. E-12, em 13 de julho de 2002, sob o título “A crise de abstinência de nicotina”.

A paranóia chegou a tal ponto que, possivelmente, para se fumar um mero cigarro, sossegadamente, só indo aos Andes ou aos Alpes. Agora, para se informar sem rancor, exigindo apenas uma leveza na escrita do texto, leia, no Caderno de Esportes, da Folha de São Paulo, pág. D5, de 27.11.2011, a crônica “Grito de campeão”, do Sr. Juca Kfouri. Ou, então, veja o filme “Sobre Café e Cigarros”, de Jim Jarmusch. E mais, se delicie com os poemas “Pronominais” e “Relicário”, de Oswald de Andrade, Poesias Reunidas (Ed Civilização Brasileira. / Círculo do Livro):

Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido

Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

Relicário
No baile da Corte
Foi o Conde d’Eu quem disse
Pra Dona Benvínda
Que farinha de Suruí
Pinga de Parati
Fumo de Baependi
É comê bebê pitá e caí

Agora se quiser saber mais sobre a vida aflitiva dos fumantes ou dos quase não-fumantes leia a seguir a crônica do Veríssimo, sob o título de “Fumante” publicada, em 27 de Julho de 2003, no jornal “Estado de S. Paulo”, em seu Caderno 2/ Cultura:
                                             *
Fumante
 - Fumante ou não fumante?
- Não fumante.
- Por aqui, por fav…
- Espere.
- Pois não?
- Fumante.
- Como?
- Eu sou fumante. Era, Sou. Estou tentando parar.
- Muito bem. Fumante, então?
- É. Não! Eu preciso parar. Os outros vão estar fumando e vai me dar vontade. Melhor ficar com os não fumantes. Assim não fumo. Não por firmeza de caráter, mas por medo dos protestos. Não fumantes. Isso, Pronto.
- Tem certeza?
- Absoluta.
- Muito bem. Mesa para um, na seção de…
- Espere. Eu não vou aguentar. Fumante, fumante. Estou há quase duas semanas sem fumar. Nunca fiquei tanto tempo, das outras vezes que parei. Sinto que vou recomeçar hoje. Fumante. Definitivamente fumante.
- Muito bem. Siga-me por fa…
- Espere.
- Sim?
- Não tem uma seção mista?
- Não, cavalheiro. Eu…
- Deveria haver um salão só para os indecisos. Para os que pararam, mas poderiam ter uma recaída a qualquer momento.
- Infelizmente…
- Uma espécie de purgatório, para os que merecem o inferno, mas também merecem uma oportunidade de arrependimento e salvação. Por que não uma seção para não fumantes com sursis? Para semi-fumantes? Com direito a, no máximo três cigarros?
- Infelizmente…
- Dois?
- Nós só…
- Um! Depois do cafezinho!
- Só temos duas opções, cavalheiro. Fumante e não…
- Mas isso é de um radicalismo atroz. Então a pessoa tem que ser uma coisa ou outra? Assim, pá-pá? Fumante ou não fumante? Onde fica o meio-termo. A conciliação? A terceira via? O…
- Por favor, largue as minhas lapelas, senhor.
- Desculpe. É que certas coisas me deixam indignado. Isso é pura discriminação, está entendendo? Pura e odiosa discriminação Por que só fumantes ou não-fumantes? Por que não os que falam alto e os que falam baixo? E se eu não quiser ouvir o que estão dizendo na outra mesa? Tem conversa de outra mesa que é pior que fumaça de cigarro, está me entendendo? Tem conversa dos outros que dá câncer secundário.
- Largue as minhas lapelas, por favor.
- E o celular? O que você me diz do celular? Por que não uma seção só para quem tem celular e outra para quem não tem? Não existe nada pior do que ouvir conversa de celular alheia. Se a gente ao menos pudesse ouvir toda a conversa! Mas não, ouve só uma parte. E sempre a menos interessante. Esquece cigarro. Eu quero a seção sem celular.
- Controle-se.
- Me controlar, como?! Eu estou há quase duas semanas sem fumar. Você se controlaria, se estivesse há quase duas semanas sem fumar?
- Eu não fumo.
- Eu também não! É por isso que estou desse jeito!
- Por que o senhor não fuma um cigarro antes de comer? Para se acalmar? Eu reservo a mesa, o senhor fuma um cigarro, entra na seção de não-fumantes, come, e se der vontade de fumar outro, depois do cafezinho por exemplo, sai e…
- Boa idéia. Aliás, grande idéia.
- Obrigado.
- Você está me propondo a hipocrisia. Está propondo que eu esqueça meu juramento de não fumar nunca mais, nem que seja só por três semanas. Você está me acusando de inconstância.   Me chamando de abjeto, fraco, desprezível, autodestrutivo e louco.
- De maneira nenhuma, cavalheiro. Eu…
- E tem toda a razão. É o que eu sou. Um verme. Está bem, fumante. Você venceu. Me leve para a seção dos fumantes.
- Antes disso…
- O quê? O quê?
Largue as minhas lapelas.
                                             *
Bem, Dr., acho que por ora é só. Já estou estressado e não fumo.
Abraços, sem a divina fumaça que divaga
Mário Inglesi 29.11.11

2 comentários:

  1. Corajoso texto Mário!
    Em plena época de crucificação do cigarro, precisa ter muito peito pra falar isso tudo.
    Ninguém se preocupa muito com a poluição que engolimos no dia- a-dia, não é mesmo? Você colocou bem, temos de tratar o fumante como qualquer outro viciado. Começa como uma brincadeira, uma curiosidade, depois fica sério, difícil de se libertar, assim como do inocente refrigerante, daquele docinho inigualável, das comidinhas literalmente envenenadas, dos remedinhos que vão ajudar a superar até probleminhas corriqueiros, insônias às vezes até necessárias e, tantas outras coisinhas de nossas vidas, que são causadas por nós mesmos. Agora, os problemões que nos são impostos pelos criadores das tais leis, esses não são discutidos e muito menos solucionados.
    Claro que devemos combater os vícios, mas não só eles...
    Abraço.

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  2. O vicio do cigarro é triste as crises abstinência é horrível convivi muitos anos com o terrivel vicio.
    Mas eu acredito que a verdadeira vontade de parar é quando se assume que é viciado e não consegue parar por vontade própria.
    E sabe que precisa de ajuda, esse vicio acaba com a auto-estima da pessoa, e é onde são colocadas muitas tentações no caminho de quem quer parar de fumar. O combate desse vicio é dificil mas não impossivel.
    Beijos...
    Anjo da guarda!

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